Hoje vou escrever especificamente para os homens que tem trabalhado nas abordagens contemporâneas de dança de salão. Vocês constituem uma parte importante da nossa articulação enquanto movimento, porque ainda vivemos em uma sociedade patriarcal e, muitas vezes, suas vozes acabam sendo legitimadas antes das nossas (infelizmente). Suas práticas-falas podem acessar espaços, os quais nós mulheres não acessamos, porque temos experiências diferentes. Então é por isso que eu te peço companheiro, leia com atenção e corpo aberto, porque te quero perto. Então venho convocar sua ajuda, porque o machismo não está só na condução e nos modos como dançamos. Estamos diariamente passando por situações onde facilmente somos captados a reproduzir padrões, por vezes sutis, de ficar reiterando privilégios e oprimindo os corpos daqueles que já são oprimidos.

Essa cara sorridente é para te convidar a ler até o final, tá! (Foto Luiz Felipe Ferreira)
Então professor/dançarino/parceiro mudar a sua dança é um dos processos de investigação de reconfigurar sua experiência subjetiva enquanto homem. Contudo, isso não é o bastante. Vou falar o que virá na sequência porque de fato não quero excluir vocês desses processos, mas fica muito evidente o quanto as parcerias entre homens e mulheres na dança de salão ainda precisam ser investigadas. Aqui eu vou trazer bastante o contexto profissional, porque tô IRRITADA de ficar sozinha argumentando coisas básicas contra um sistema todo. Fatos esses que não se fazem presentes nas parcerias entre mulheres, nossas questões são outras, por isso o meu direcionamento a vocês. Talvez se eu conseguir a ajuda de vocês as coisas possam se ampliar, e as nossas práticas em dança possam ser potencializada. Assim como tenho certeza que suas parceiras se sentiram muito mais legitimadas, respeitadas e acolhidas.
Então, gato, por mais que sua intenção seja a melhor possível estamos nesse jogo há anos em posições desiguais. Isso pode ter diversas nuances e variações ao longo da vida e da experiência de cada um, fatores como raça, classe também serão determinadas, porém não há como negar os privilégios que a condição homem instaura. Sem discussão nesse ponto. O machismo é tóxico para a experiência de ser homem, sim. Contudo, não há como negar que você tem acessos diferentes socialmente do que nós MULHERES. Então eu queria trazer pequenas ações anti-machismo que podem auxiliar nesse processo de investigação:
– Reconheça seus privilégios. Aceite que você vive e foi criado dentro de uma estrutura machista. Então você pode não estar ileso de cometer uma ação machista. Lembrando que silenciar-se diante de uma a ação machista de uma pessoa ou instituição é reiterar o machismo.
– Escute sempre um retorno crítico da sua parceira de dança. Não se defenda de imediato, pense e acolha aquelas palavras antes de tomar qualquer atitude defensiva. Muito provável ela te trará uma experiência que você não percebe, porque quando temos privilégios dificilmente percebemos que os temos.
– Apoie sua parceira quando ela aponta alguma atitude machista seja em aula ou contra alguma instituição. Não se coloque como desimplicado. Assegure que você está ao lado dela.
– Pergunte sobre como tem sido suas ações e falas para com suas parceiras, principalmente, crie um campo aberto para o diálogo. Há ainda uma cultura muito enraizada de silenciamento nas nossas experiências enquanto mulheres, então, muitas vezes podemos não estar conseguindo comunicar os nossos incômodos.
– Confira as divulgações realizadas quando vocês forem ministrar aulas, veja se consta o nome de sua parceira. Reclame quando não estiver o nome dela, ou ainda quando colocarem o seu nome antes sem seguir a lógica alfabética. Se ela for tratada pela instituição sem o mesmo rigor que você, não permita.
– Não permita a cultura de se referirem a sua parceira como “Parceira de Fulano”. Enfatize que ela tem um nome próprio.
– Abra espaço e valorize que as mulheres tenham o mesmo tempo de fala em aula.
– Não faça nenhum tipo de “piada” constrangedora em aula, principalmente com algum grupo que já oprimido e não permita esse tipo de situação na sua presença.
– Valorize os saberes das professoras mulheres nessa área, não assuma os elogios sozinho desse trabalho. Saiba que esse movimento é pautado por muitas mulheres, e alguns homens também, então não se esqueça de trazer essas referências para aula. Perceba se você ao citar suas referências se elas não estão pautadas somente nos homens.
– Leia os textos já publicados por professoras mulheres, e ao citar pensamentos e inspirações em aula ou postagens referencie os nomes dessas pessoas.
Encerro esse relato dizendo que isso é um pouquinho do que podemos repensar juntos. Devem ter outras sugestões maravilhosas vou pedir para as Manas da dança de salão olharem o texto e irem acrescentando. Porque nesse texto rápido não consigo abarcar todas as possibilidades de experiências presentes
Porém, queria chamar para pensar vocês colegas homens que vem comigo trabalhando e pensando sobre as abordagens contemporâneas na dança de salão para se comprometerem nessa investigação. Vou usar uma citação incrível da filósofa Djamila Ribeiro, que muito tem me convocado a repensar a minha branquitude (porque sim querides todos nós precisamos investigar constantemente a nossas experiências de estarmos vivos, inclusive eu). No caso ela está falando de racismo mas também podem pensar em relação ao machismo.
“Não se trata de se sentir culpado por ser branco: a questão é se responsabilizar. Diferente da culpa, que leva à inércia, a responsabilidade leva à ação.” (2019, p. 36)*
Então não se trata de se sentir culpado por nada e sim de agir, assumir os erros quando ocorrerem e se responsabilizar por desnaturalizar olhar condicionado pelo machismo e pelo racismo e criar espaços e lugares para que mulheres e negros consigam acessar. Bora rapazes se responsabilizarem e se implicarem com esse chamado!
Obs: Já termino falando que enquanto movimento de Dança de Salão Contemporânea precisamos urgentemente trazer o debate da raça e da classe para as nossas discussões, inclusive das minhas 😉
Obrigada Carolina Polezi, pela leitura amiga e incentivadora desse texto!
*Referência: O Pequeno Manual Antiracista, Djamila Ribeiro, São Paulo, Companhia das Letras, 2019
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Obrigado!