Vida, é sobre isso por hora…

Hoje vou falar sobre vida, ou melhor sobre a minha experiência de estar viva nesse momento. Principalmente sobre a dificuldade de lidar com as minhas emoções. Sobre ser mulher no meio de tudo isso, e sentir uma grande insegurança em poder sentir as coisas que tenho passado. Curiosamente, descobri que tenho passado um certo sufoco interno por nem sempre conseguir expressar o que tem atravessado a minha pele. Parece que as emoções precisam vir sempre justificadas e esclarecidas como se elas precisassem ser acompanhadas de explicações. Sentir e vivenciar a raiva, o ciúmes, o medo, o amor, sem mais. Apenas deixar transbordar.

Uma vez me disseram que se eu chorasse perderia a razão em uma discussão. Hoje vejo que meus olhos (talvez por serem grandes) facilmente se preenchem de lágrimas as quais escorrem pelo meu rosto, e na maioria das vezes fico com vergonha e quero conter elas a todo custo. Parece que as lágrimas seriam o reflexo da minha fraqueza, das minhas inseguranças, das minhas faltas de sentido, e dos meus erros.

Elas são a prova do quanto o meu corpo sente, e muito, tudo que está ao redor. Não é algo ruim poder deixar que elas apareçam e que o chorar não descredibiliza todo o resto que sou. Não destitui a minha competência. Isso pode parecer talvez meio óbvio, mas na prática tenho percebido que tenho muitas restrições para colocar para fora as emoções. Talvez seja por isso que há anos sofro com alergias na pele. Seriam elas frutos de emoções sufocadas dentro desse corpo  inquieto?

Inquietações contidas dos bichos vorazes que me habitam e talvez possam ser demais para o outro, principalmente esse outro chamado bicho homem.

Curioso é pensar nessa tal histeria ou na imaturidade emocional, nas palavras de hoje. Qualidades lançadas aos corpos de mulheres que gritam, choram e agridem, em meio ao caos, e a temperatura exacerbada da panela de pressão em que vivemos para lidar com tantos bebês-adultos.

Queria hoje poder gritar, mas estou sem voz. Então me resta desabafar em palavras aqui nesse espaço. Cansada de conter o que não pode ser contido. Indisposta me sinto, ao me deparar de novo e de novo com ele que não consegue olhar além de si, preso a medos e discursos de liberdades vazios.

BICHO-BRUXA-FISSURANDO A PELE

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Foto de Luiz Felipe Fereira

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Sobre Drama no Salão, Senhora-Trepadeira e Paola-Inquieta

A Nina, Karenina de Los Santos, me fez um convite em 2015. Ela queria pesquisar dramaturgia nos processos de criação a partir da dança de salão. A pesquisa dela já ocorria nesse sentido na dança contemporânea, e quando ela começou a trabalhar com dança de salão percebeu que pouco ou quase nada era feito nessa área. Isso tudo decorre, a meu ver, muito devido ao fenômeno da dança de salão se dar no âmbito social, ou seja, a experiência da mesma ocorre através dos bailes e festas para se dançar a dois. Embora, nos tempos atuais muitos professores vejam nessa prática uma fonte para desenvolver suas pesquisas cênicas, em muitos casos isso é feito através do desenvolvimento de coreografias que visam apresentar um aperfeiçoamento técnico e servem como demonstrações de movimentos virtuosos. Claro que já é possível citar grupos e dancarinxs que estejam desenvolvendo pesquisas cênicas mais aprofundadas como é o caso do Casa 4 (BA); Grão (SC); Terceira Margem (MG); ou ainda o trabalho de investigação de movimento a partir da linguagem do tango e a improvisação que desenvolvi com o Giovanni Vergo nos últimos anos que resultou em diversas performances e compôs também o espetáculo Corpobolados (2015-2018). Há outras pessoas, com certeza não citei alguém nesse texto, pois já estamos vivendo novos rumos dessa prática. (Vou falar em outro post daqui uns dias sobre a experiência do 2º Encontro de Dança de Salão Contemporânea).

Drama no Salão com Karenina de Los Santos

Foto Stephany Lotus – Eu e a Nina em 2016 mostrando um fragmento da pesquisa na Mostra de Porcessos do Necitra.

Mas vamos voltar aqui para uma questão que me atravessa que é: como pensar na dança de salão como procedimento de criação?

Há meu ver, quando pensamos em um processo de criação não podemos nos limitar em transformar os movimentos que são feitos na prática social e recoloca-los no palco. Nesse processo de copiar e colar do salão de baile para o palco muito se perde, e o que vemos realmente parece não fazer sentido. São processos singulares e que através desse tipo de procedimento perdem características que os tornam especiais, o baile por si só pode ser uma experiência estética incrível, é um espaço coletivo onde coisas ocorrem devido o encontro espontâneo entre pessoas. O ato de criar para a cena é um outro caminho, é preciso pensar no que estaremos enfatizando, pensar em como isso pode vir a atingir aquela pessoa que se disponibiliza estar lá para assistir, ser responsável pelos significados que vão emergir.  Com certeza, poderia falar mais sobre isso, mas quero enfatizar como foi o processo de elaboração do Drama no Salão a partir da minha perspectiva de dançarina colaboradora-criadora desse projeto.

Nesse sentido, penso em quais os princípios que a dança de salão foi me auxiliando a construir nesse corpo dançante ao longo dos anos.  Hoje reconheço uma habilidade de improvisação, uma escuta ao corpo do outro, uma possibilidade de comunicação ao dançar com a outra pessoa que muito foram desenvolvidas através dessa prática. E elas me auxiliam e me fazem dançante através de uma via singular, um corpo que se forma para dançar com o outro. Minha principal formação em dança em tempo e estudo me coloca para estar em relação com o corpo do outro. Isso me constitui enquanto pessoa, e me auxilia em muitas situações da vida, mas também me traz desafios, por exemplo, em alguns momentos de improvisação me perco fácil dos meus impulsos porque quero muito estar com o outro. Facilmente o outro parece mais interessante do que o que eu havia começado a fazer, enfim, questões de dança que PÃÃÃÃ são questões de vida também.

Mas voltamos a Nina, ao Drama no Salão e a esse processo de criação, se é que vocês que me leem ainda estão acompanhando meu devaneio. As minhas pesquisas com a Nina começaram por aí, não queríamos chegar em lugar nenhum num primeiro momento. Queríamos experimentar como nos abraçar de diferentes formas, queríamos jogar com as vestimentas que percorriam nossos imaginários de dança de salão, caminhar juntas pela sala, como era alterar as velocidades dos movimentos que conhecíamos, como era dançar sozinha o que fazíamos juntas…

Experimentamos, dançamos, experimentamos mais um pouco.

Assim aos poucos começamos a perceber a dramaturgia ir chegando, apontando para o que o universo dos bailes de dança de salão nos provocavam, o ato de estar em um baile, o que acontecia nesse lugar. E buuuuuuum, algo começou a ficar muito latente, éramos duas mulheres dançando algo que não está de acordo com as normas desse espaço. Éramos duas mulheres, mulheres que dançam que são independentes que conduzem e são conduzidas, que batem boca quando sofrem situações de opressão nesse espaço. Mas ainda assim éramos duas mulheres que apesar de críticas a esse espaço-tempo dança de salão também já sofreram diversas situações desconfortáveis, que já tiverem seus trabalhos deslegitimados, que já tiveram seus corpos julgados e controlados para serem belos, delicados e sutis, que já foram assediadas e que já não foram tiradas para dançar.

Assim fomos desenvolvendo essa pesquisa pensando nos dramas que atravessavam nossos corpos de mulheres na dança de salão. Chegamos a ir em bailes, queríamos ver como acontecia ainda esses bailes para além dos espaços das escolas de dança que frequentávamos, queríamos ver como eram essas mulheres. Eu lembro que chegamos empolgadas no Baile de domingo à tarde que começava às 15h da tarde, fomos arrumadinhas e passamos até batom nesse dia.

Lá estava aquele salão imenso com gente dançando, na maioria pessoas de idade, definitivamente éramos as mais jovens, havia diversas regras sobre como se portar e dançar naquele lugar. Luzes coloridas piscavam, um tecladista tocando e cantando só clássicos, pessoas rodando e dançando a dois com seus corpos de diferentes formas (nada muito padronizado como nos bailes de escola), e nos ali observando e atentas em ver como as danças ocorriam. Contudo fomos percebendo que o que mais nos chamavam atenção eram algumas mulheres, senhoras, bem arrumadas, que esperavam em suas cadeiras uma oportunidade de dançar. Elas eram um misto de escultura com trepadeira, na minha percepção, estavam apoiadas na cadeira e na parede na espera de algum convite para adentrar no salão que rodava, porém, o convite nunca vinha.

Fomos ficando deprimidas naquele lugar, assim como aquelas que esperavam.

Eu jamais vou me esquecer da senhora trepadeira que parecia fazer parte daquele baile, como se ela sempre estivesse esperando naquele lugar. Eu pensava será que ela já dançou muito anos atrás? Será que ela vem todos os domingos esperar? Será que ela se arruma todos os domingos para vir esperar uma possível dança?

Os olhos dela eram perdidos na imensidão já estavam cansados de buscar….

Eu jamais vou esquecer esse olhar vazio, um vazio de imensidão do ato de esperar.

Amanhã quando entrar para dançar o Drama no Salão, danço por ela, pela sua espera, danço por mim por saber usar da escuta e do ato do esperar como procedimento para criar, e não para paralisar. Sei da minha responsabilidade de artista de estar ali dançando, nesse momento, nesse tempo-político sombrio, por isso me faz muito sentido dançar pela senhora-trepadeira. Assim como ela há muitas de nós sendo silenciadas na dança e na vida, na constante espera de que um convite seja feito.

Eu aceitei o convite da dança de dançar para viver. Mesmo sabendo que sempre, constantemente, querem que eu volte a esperar algo ou alguém. Por isso optei em dançar, sim vou dançar o ato de esperar.

 

Drama no Salão

Dia 22.11.18 às 20h na Sala Álvaro Moreyra, Av. Erico Veríssimo, n º 307

Dia 23.11.18 às 20h no Teatro Hebraica, Rua João Telles nº 508

Quanto: 30,00 (inteira); 15 (classe artística, estudantes e melhor idade)

Karenina e Paola 018

Ficha Técnica

Concepção e direção: Karenina de Los Santos
Criação e interpretação: Karenina de Los Santos e Paola Vasconcelos
Iluminação cênica: Gabriel Martins
Luz cenográfica: Karenina de los Santos
Figurino: Antonio Rabadan
Trilha sonora: Paola Vasconcelos e Karenina de los Santos
Design gráfico: Fernanda Boff
Produção: Karenina de los Santos e Fabrício Sortica
Fotos: Joseane Bertonccello

Processos Artísticos

Intervenção “Um Tango em Clave”

Intervenção realizada no Saguão da Reitoria da UFRGS. Foto de Yamini Benites.

Intervenção realizada no Saguão da Reitoria da UFRGS. Foto de Yamini Benites.

Concepção:

Encontro entre matérias vibrantes. Duas potencialidades disparando diálogos. Corpo e objeto se relacionando e potencializando movimentos, a relação desse contato sendo pautada pela improvisação e pela referência sonora do tango. O tango surge como um rastro nesse processo, pois emerge da experiência principal do corpo da artista-pesquisadora e seu ponto de partida para pensar o diálogo entre os corpos. A Clave objeto escolhido, é deslocada da função circense tradicionalmente concebida, para existir como matéria vibrante que a partir do contato do corpo da artista irá estabelecer fluxos e movimentos decorrentes do ato de coexistir dançando.  Proposta efervescente construída a cada instante, a cada pausa, encontro, desencontro e especialmente a cada lugar que acolhe essa relação.

Ficha Técnica:

Concepção, figurino e em cena: Paola Vasconcelos

Artista Colaborador e Técnica: Gabriel Martins

Orientação: Mônica Fagundes Dantas

Produção: Paola Vasconcelos

Apoio cultural: Necitra

Duração da Intervenção: 60 minutos

Playlist de vídeos do trabalho:

https://www.youtube.com/playlist?list=PLUUBe3ktS832nHmsSes0pRdYqaz5Ab1Ts