Um manifesto salivar – desintoxicando os corpos da dança de salão

Bem- Vindos,

Vou convidar vocês para dançar comigo atualizações de pensamento-dança do artigo “Pela urgência do fim da boa dama – os papéis de gênero na dança de salão”. Ou talvez isso seja uma carta, um manifesto, ou um acendedor de fogueira-pensamento, ou nada disso.

Já de antemão oriento que aqueles que têm estômago fraco ou sua masculinidade fragilizada que preparem o saco de vômito, pois não me responsabilizo por náuseas que vocês podem vir a sentir. Vocês sabem, se leram o artigo indicado, que eu trabalho a partir da experiência do sentir, principalmente de dar voz ao corpo em movimento. Venho há alguns anos convocado algumas mortes dentro do cenário da dança de salão. Obviamente são imagéticas, apesar de hoje possuir um devir assassino de querer matar o presidente. e isso não seria metaforicamente.

Falo e escrevo sempre a partir da minha experiência de mulher cis-gênero, branca, classe média e bissexual, isso me auxilia a localizar meus privilégios nessas hierarquias de credibilidade. Porém, já gostaria de dizer que cada categoria dessas não me limita, e que estou me transformando intensamente, provavelmente, já estarei outra quando nos encontramos virtualmente.

Hoje vou falar sobre o processo de construção da performance La Bruja, que talvez alguns de vocês tenham presenciado no Encontro Contemporâneo de Dança de Salão em São Paulo em novembro de 2019. Essa ação visceral, a qual convoco o meu corpo, têm se desdobrado e tomado parte do meu processo de vida. La Bruja, ou Bruxa, é um vômito, um sintoma do corpo orgânico que desesperadamente coloca via boca tudo aquilo que o corpo não consegue digerir. Intoxicação subjetiva-moral de ser uma “boa” dama-mulher.

Todo o processo artístico dessa performance perpassa por como transformar o meu corpo em algo que atravesse, para além dessa matéria que se move com tamanha fluidez e tem suas artimanhas técnicas para sustentar o olhar de outros enquanto danço. Algo que fissure sensorialmente. Não queria causar isso ou aquilo, mas queria promover o sentir.

Vou até aquela reunião de pessoas que testemunham a minha dança e anúncio que irei vomitar. Passo então a babar, esse gesto surgiu em um dia de experimentação quando tentava me aproximar de instintos animais que poderiam ser criados dentro do meu corpo. Imaginei um animal prestes a atacar outro. Faminto. A saliva surgiu naturalmente, se conectando com o impulso de matar para saciar a fome. A fome, o desejo, aquele instinto que nos faz viver para não sermos mortos. Então a saliva é esse excremento inapropriado assim como o sangue, fluídos que nos conectam com nossa animalidade. O corpo não domesticado. figuras monstruosas não humanas. Tudo aquilo que escapa do corpo asséptico.

[Ação em diálogo com o deslocamento feito pela autora Barbara Creed em sua análise sobre os filmes de terror, onde a mulher não é a vítima, mas o monstruoso em si capaz de desafiar o patriarcado. Leitura que além de desdobrar na performance La Bruja também subsidia e inspira a performance-instalação Malditas em parceria com as artistas Débora Pazetto e Kamilla Hoffmann.]

Diga-se de passagem, que todas as vezes que performei ou que La Bruja existiu em carne em mim, eu estava menstruada, porque também compreendi que ela não aparece porque precisa, mas porque ali, algo está morrendo.

Sim. Eu morro. Partes minhas ali morrem. Viro uma lagarta-cobra ao babar e desfrutar do impulso de desejo que há em mim. Um devorar-se de si. Me masturbo em homenagem a todas as histéricas que habitaram nossa sociedade patriarcal. Toda a angústia, a culpa, o pudor, a depressão dos corpos femininos vazando em matéria. Há um deleite em virar bicha-mostra e ver a Paola-Humana se desfazendo aos olhos dos outros. Essa monstra agora pode caçar. Arrancar a cabeça de seus opressores. É o desejo assassino que emana.

Percebi que educar as mulheres a serem boas damas é enquadrar seus corpos em uma lógica de que precisam se comportar, e necessitam serem salvas sempre pela figura masculina, oh pai, oh marido, oh parceiro de dança…. Você pode dançar sensual, mas cuidado com que veste nas ruas. Você pode transar, mas cuidado, se dê o respeito, se não vai ganhar fama de galinha. Valorize aqueles homens que te tratam com respeito. Ah como é bom ter um parceiro que me protege. Por aí vai um monte de absurdos que vai sendo injetados em nossos corpos, assim como os agrotóxicos que lançam de maneira autorizada sobre os alimentos que consumimos.

Tudo isso vai calcificando uma dependência subjetiva como se precisamos deles. Esse estado vai te paralisando, o medo congela o corpo. Isso nos torna presa fácil. Quanto mais na minha andava pelas ruas, mais recebia olhares invasivos de homens nas ruas. Quanto mais gentil e calada eu fosse, mais abusada eu era. A dama é esse objeto de desejo que precisa ser gentilmente cuidado. Isso também carrega uma sombra que é o fato dessa mulher ser coisa, e com isso se pode fazer o que se quiser. Afinal há sempre um dono homem por aí, mesmo que nem a conheça, os instintos masculinos falam mais forte. Foda-se se ela está bêbada, se ela é uma criança, se ela nem me conhece, todas elas estão abaixo de mim o ser homem-cavalheiro-soberano.

Paola, por favor, sim é verdade que isso acontece muito. Mas, veja bem somos todos homens que estamos nos desconstruindo diariamente. Estamos aqui em busca de práticas mais plurais de dançar.

Verdade. Estamos todos aqui buscando caminhos, mas te pergunto porque você homem insiste tanto em falar, porque você fura a fila de inscrição na frente das mulheres, porque você pega a palavra sempre, sempre, sempre,… Difícil assumir o lugar de só escutar né. Chato ter que lidar com seu lado escroto. Assumir que você tá, vira e mexe, se agarrando no seu privilégio de ter sempre a palavra. Então, companheiros, para educarmos corpos para uma dança onde a desigualdade entre os gêneros desapareça não basta apenas darmos liberdade e emancipação para as mulheres. Tratasse também de ensinarmos aos homens que vocês vão ter que perder poder. É necessário perder parceiros.

Nesse sentido, provoco meus companheiros de diálogo a repensarem seus textos e falas. Eu pouco li textos testemunhos de homens dizendo o quanto se responsabilizam por ações machistas, só vejo discursos de afirmação dos novos “feministos”. Não vejo vulnerabilidade sendo trazido em relatos, o quanto o sistema de condução oprime os corpos masculinos. Porém vejo muitos textos de autores homens discutindo sobre os conceitos e as abordagens na dança de salão na contemporaneidade, todos querendo assegurar qual é o jeito mais adequado. Todos ainda muito centrados no pensamento racional, não vejo nenhum texto mundano vindo dessas figuras. A lógica de pensar e colocar as ideias ainda permanece sendo pautada por uma escritura do homem racional.

Fartas estamos, não sou só eu. Exercitem mais suas escutas e tentem não trazer o pensamento de cara. Quem sabe seja a hora de vocês se conectarem com emoções ao invés das reflexões, vivam o espaço íntimo. Chamem a sombra para dançar, sejam conduzidos vocês pelo cavalheiro que há em cada um. Depois exercitem criativamente possibilidades de desintoxicação, descongelamento de armaduras, de esvaziamentos para que assim outras coisas possam surgir.

Deixem o espaço público, nesse primeiro momento, para ser ocupado por corpos que sabem muito bem o que é vivenciar o silêncio. Talvez seja isso que estejamos precisando, por hora.

Manas, eai onde estão as monstras? O que vocês precisam babar? Convido-as para separar um momento do seu dia hoje e experimentarem esse exercício. Precisa ter coragem, mas garanto que no final pode ser interessante. Se posicione de um jeito confortável, feche os olhos, assegure que sua roupa não está pressionando a sua barriga. Respire e expire profundamente. Pense em todas as situações de opressão que você vivenciou na dança de salão-vida. A cada memória amarga vá produzindo e acumulando saliva dentro da boca. Quando estiver pronta, relaxe a mandíbula e se permita escorrer. Deixe esse líquido cair, pode ser que ele deslize sobre seu corpo ou cai direto no chão. Não se importe com nada, apenas sinta. Se permita. Babe o quanto achar necessário. Depois se sentir vontade em um ímpeto dance aquilo que vier desse encontro. Viva a experiência selvagem de se conectar com um fluído não domesticado sendo cuspido para fora, algo seu. Um protesto salivar.

Caso você seja trans ou tenha uma experiência desviante da heteronormatividade você pode experimentar ambos os processos ou ainda te sugiro que você possa inventar outros. Se criar algo, compartilha com a gente porque estamos sempre precisando vivenciar oportunidades de desterritorializar a cisheteronormatividade diariamente.

Nossa Paola, mas o que isso tem a ver com dança de salão. Primeiro porque quero e meu desejo é o guia desses textos.  Então eu sempre pesquisei a dança de salão como caminho de investigação artística, então sim, o processo como componho perpassa princípios que desenvolvi a partir da prática de dança a dois. Sejam por princípios práticos como a improvisação durante a ação ou o olhar para os parceires de cena como iguais e influenciadores do meu mover sejam eles objetos ou pessoas. Ou pelo contexto que dispara a construção performática, como é o caso dessa ação que quer vomitar a dama. Foi essa prática que domesticou de maneira eficiente a minha performance de feminilidade.  No fim das contas o que percebi depois desses anos é que essa mulher-dama está-estava incrustada em várias esferas da minha vida. Então há esse exercício de reinvenção de si nesse processo. Lembrando que a performance enquanto campo de ação é diretamente conectada e influenciada por processos educacionais, sociais e artísticos. Então ser e estar também é fazer arte, porque arte e vida é uma coisa só. Eu que escrevo aqui, babo na performance, sou professora de dança de salão, transo, como, adoeço, danço, e é o mesmo corpo em todas as ações.

Por fim, eu acredito ser meu papel de artista e facilitadora de dança de salão convocar delírios e a imaginação para compor outros cenários para essa dança. A minha experiência não permite doses homeopáticas de reinvenção, ainda mais quando estou falando com pessoas comprometidas em formar praticantes nessa área. Para mim, a dança de salão, ou quem sabe a dança des-salão, uma dança de ação contrária que quer sair dos salões colonizados e ocupar outros espaços, quem sabe a rua.

[Delírio faiscante que surgiu depois da provocação da Nadiana ao trazer a questão colonial dessa prática, na conversa do grupo que tem se encontrado semanalmente para pensar as abordagens contemporâneas na dança de salão]

Esse movimento só pode acontecer se for convocado por uma multidão de monstras. Quando convocarmos as bruxas, os piratas, as putas, as possuídas, as histéricas, as bichas,…………… e tudo aquile que for desviante para ocupar a pista de dança. Caso contrário seremos novamente lançados a territórios estigmatizados.

Então, para mim a dança de salão e pode ser implodida e reinventada quantas vezes desejarmos e tivermos coragem de faze-la. Alguém aí disposto a dançar?

 

 

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Uma carta para Amor

Amor,

Hoje o texto é sobre você. Sim, sobre apesar de tudo que têm acontecido em 2019, eu sigo acreditando na sua força como pulsão de vida. Eu sei que esse ano me fez duvidar um tanto da nossa relação. Foram muitas tensões, cortes, inquietações, urgências gerais, e necessidade de investigação profunda. Eu quase desisti de você é verdade. Pensei que poderia te deixar de lado, me tornar alguém diferente. Só que quando parecia que não havia mais faísca eis que você surgiu colorido e me guiou novamente para a vida. Assim, estou eu te escrevendo de novo, e de novo e de novo. Dizem que sou corajosa por querer-te assim tão pulsante. Acho que preciso concordar, porque não é fácil se deparar com você nas ruas. Tu chegas, nos desorienta, faz com que a gente se perca de si ao abrir-se para um território desterritório onde somos invadidos um pelo outro. É assim mesmo uma grande loucura não sei se rio, choro, escrevo poema, danço ou canto. Somos tocados reciprocamente, você me transforma. É um grande abrir-se.

Eita amor, quando você chega não tem jeito, a gente ama. Eai a gente não deixa de desamar não, as coisas não são assim né, mesmo que nem sempre os caminhos não sigam fluindo juntos, tu não rastapé do meu lado. As pessoas vão, eu vou, mas tu segues ali emanando. Choro por amar muito. Eu aprendi muito sobre desapegar esse ano. Precisei colocar limites e fins, precisei reconhecer que era hora de expandir por mim, precisei entender que era necessário abrir os braços, mesmo que de olhos fechados e marejados de lágrimas, deixar vocês irem. Todos esses seres que você colocou em meu caminho, salve as forças dançantes que me presenteiam com pessoas encantadoras, são amados por mim. Todos eles me fazem crer que você é tinhoso amor, porque aprendi muito com tod@s. Tem vezes que dá raiva porque a gente que ser durona, e quer que tudo sai como a gente quer, e o raio desses seres tem um milhão de desejos uns mais doidos que os outros e nem sempre rola da gente conseguir estar perto. Isso machuca, a gente se machuca.

Só que aí tu cutuca no meu estômago-coração e diz deixa de se boba garota isso também é amor. Eai essa brabeza passa, a gente conversa, segue vivendo e amando, mesmo de longe, mesmo distante, mesmo sem ver e falar. Por vezes, até rola uma dança, uma tarde no sol sem fazer nada no meio da cidade de concreto, uma cerveja com risada, uns áudios malucos de whatsapp, umas ajudas… É isso, tu pulsando forte mesmo na não presença, na diferença.

Só que vou te confessar amor, eu também vi que você está gigante em mim. Sabe que duvidada da sua existência aqui. Fui dura com você eu sei, te peço desculpas. Nem sempre te deixava chegar né. Meio resistente, eu fui. Só que tu teve paciência e quando vi estava eu boba e apaixonada por mim de novo. Dando risadinhas no meio do dia e ouvindo canções de amor dedicadas a mim, até fazer manha na cama de preguiça rolou. Adoro nossos encontros secretos e silenciosos, onde fazemos coisas que só a gente sabe como fazer. Rir a gente até tem feito né, parece que aceitar que tem todo esse amor nessa pessoinha tem sido uma tarefa no mínimo engraçada.

Enfim amor, não sei, dizem que sou romântica. Acho que não é sobre isso, acho que sou apaixonada por você. Tá certo, eu confesso que viajo às vezes, mas sei bem que o amor acontece nas coisas singelas, no exercício de querer bem, nas ajudas, nos cafunés, nos olhares, no desafio de amar o outro mesmo na diferença. Também acredito que pode ser sim possível querer exercitar isso pertinho, com paciência, entrega e abertura. Pode ser terroso, é como te sinto mais gostoso.

Então, termino essa carta amor com um cheiro no seu cangote bem agarradinha. Dizendo obrigada por não me fazer desistir de você. Por lembrar que é vital sua força em minha vida. Obrigada pelos presentes desse ano, amores novos que surgiram. Obrigada pelos rencantamentos dos amores que aqui estavam. Obrigada pelos amores que passaram por aqui. Obrigada por você estar em mim, mesmo no desafio dessa vida doida que levamos. Obrigada por me surpreender sempre, por fazer com que quando eu menos espere tu lance sua energia colorida em minha direção me atravessando de novo e de novo.

Te Amo,

Um beijo-cheirado da Paola

Vou colocar uma foto para ilustrar um dos meus muitos amores nesse ano, nessa vida. Acho que essa ruiva merece minha dedicação de amor. Debora Thomas, eita vicking, a gente se apaixonou de novo pela gente esse ano. Voltamos a nos amar com brilho nos olhos, porque é isso amar é  exercício diário e precisa de cuidados. Tu segura todas do meu lado, quando achei que fosse despencar teus olhinhos estavam lá para me apoiar, teus braços para me acolher e para juntas chorarmos e muito por nossos amores… Houve lágrimas, poemas, raiva, cachaça, auto-cuidado, e até “vai dormir amiga” quando eu estava capotada no teu braço. Enfim, segura essas duas porque elas querem decididamente amar, vem 2020.

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PS: a gente não se pega, só se seduz.

PS1: Kátia Maffi, te amo muito! Outra ser humana que me fez exercitar o desapego, conjuntamente com aquele tirano-urso-deuso do Luciano. Olha vou te dizer vocês tudo confabularam com a Rachel Vasconcelos e resolveram mudar para o outro lado do mar. Sem comentários. Ainda bem que tenho um novo amor, Eric, ex-vizinho, sanfoneiro, que me presenteia com uns livros babado sobre impermanência para dar conta desse fuzuê todo. Há tem também o Junior para me levar para a praia e fazer comidinha de mãe para mim, a Ludi para me levar no cinema, a Deisi piranha para me mandar música inspiradora, o Rô por me fazer marombar (só falto, mas sinto a energia), ao Luiz por saber captar em suas fotos o que há de mais intenso em mim, a bruxa da Kathleen para me passar uns rituais, a Bri para me amar a distância, a Pri por aparecer sempre quando mais precisei, a Claudinha pelos brownies, o Victor por me passar referências babados, a Diana para me mostrar que tu pode dar certo mesmo dando errado, a Lary animada e parceira de uma coxinha suspeita na madrugada, a Rô por me fazer sambar, a Samara por me fazer rir em meio a reuniões de orientação, a Flávia por ser tão generosa quando mais precisei, a Faísca minha cachorra que quase adotei, a convenção das bruxa (Ilana, Débora, Kamila e Wendy), as amigas de poa (Luli, Tatá, Ju e Jé pelos nosso grupo de amor no whats), a minha família linda que muito me ensina sobre amor (Ana, Voney, Gabriel e Rachel que honra compartilhar a vida com vocês), a minha psicóloga por me auxiliar a modular todo esse amor… Aos amores que esqueci de mencionar obrigada por existirem e por se fazerem presentes!

Vida, é sobre isso por hora…

Hoje vou falar sobre vida, ou melhor sobre a minha experiência de estar viva nesse momento. Principalmente sobre a dificuldade de lidar com as minhas emoções. Sobre ser mulher no meio de tudo isso, e sentir uma grande insegurança em poder sentir as coisas que tenho passado. Curiosamente, descobri que tenho passado um certo sufoco interno por nem sempre conseguir expressar o que tem atravessado a minha pele. Parece que as emoções precisam vir sempre justificadas e esclarecidas como se elas precisassem ser acompanhadas de explicações. Sentir e vivenciar a raiva, o ciúmes, o medo, o amor, sem mais. Apenas deixar transbordar.

Uma vez me disseram que se eu chorasse perderia a razão em uma discussão. Hoje vejo que meus olhos (talvez por serem grandes) facilmente se preenchem de lágrimas as quais escorrem pelo meu rosto, e na maioria das vezes fico com vergonha e quero conter elas a todo custo. Parece que as lágrimas seriam o reflexo da minha fraqueza, das minhas inseguranças, das minhas faltas de sentido, e dos meus erros.

Elas são a prova do quanto o meu corpo sente, e muito, tudo que está ao redor. Não é algo ruim poder deixar que elas apareçam e que o chorar não descredibiliza todo o resto que sou. Não destitui a minha competência. Isso pode parecer talvez meio óbvio, mas na prática tenho percebido que tenho muitas restrições para colocar para fora as emoções. Talvez seja por isso que há anos sofro com alergias na pele. Seriam elas frutos de emoções sufocadas dentro desse corpo  inquieto?

Inquietações contidas dos bichos vorazes que me habitam e talvez possam ser demais para o outro, principalmente esse outro chamado bicho homem.

Curioso é pensar nessa tal histeria ou na imaturidade emocional, nas palavras de hoje. Qualidades lançadas aos corpos de mulheres que gritam, choram e agridem, em meio ao caos, e a temperatura exacerbada da panela de pressão em que vivemos para lidar com tantos bebês-adultos.

Queria hoje poder gritar, mas estou sem voz. Então me resta desabafar em palavras aqui nesse espaço. Cansada de conter o que não pode ser contido. Indisposta me sinto, ao me deparar de novo e de novo com ele que não consegue olhar além de si, preso a medos e discursos de liberdades vazios.

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Foto de Luiz Felipe Fereira

Na terra dos “grandes mestres” há resistência e reinvenção

Ocorreu nesse final de semana nos dias 26 e 27 de junho de 2018, a primeira oficina de dança de salão contemporânea no Rio de Janeiro. O espaço Mova promoveu a vinda do professor Samuel Samways (BH) para realizar uma oficina durante a tarde, e no domingo aconteceu o primeiro Baile Experimental no espaço.

Durante essa minha experiência de viver em terras cariocas, território onde a maioria dos “grandes mestres” surgiu e consolidou o seu trabalho. Estou aqui falando especificamente de trajetórias na dança de salão que conservam elementos pautados em uma tradição centrada na figura do homem, sendo ele o protagonista da dança, refletindo uma cultura machista e heteronormativa. Formato esse de pensar a dança de salão o qual muita vezes direciona o papel da mulher apenas como algo que atribui  beleza , não cabendo a ela participar das decisões dos passos e podendo apenas se expressar criativamente quando isso não interferir na movimentação masculina. Estou apenas resumindo essa condutas da dança de salão tradicional, mas para mais informações recomendo a leitura de outros post do blog e do artigo publicado por Carolina Polezi e Paola Vasconcelos em 2017

Quando me utilizo das aspas ao referenciar os grandes mestres, é justamente por ficar incomodada com a centralidade masculina presente nos discursos e práticas desses profissionais. Os quais em sua maioria traçaram suas trajetórias fortalecendo uma prática que além de ser opressiva, foi construída a partir da experiência de muitas mulheres as quais são pouco reconhecidas e legitimadas nesse espaço. Essas referências na dança de salão são responsáveis por formar uma grande quantidade de profissionais dessa área. Contudo, seus fazeres se apresentam intocáveis e inquestionáveis, ou seja, não há espaço de diálogo para se pensar em reformulações de ideias e práticas. O que de fato não me surpreende, dado o eminente espaço privilegiado que ocupam.

Nesse sentido, o que havia percebido do pouco tempo em que habito esse território, é o quanto o espaço do Rio de Janeiro se mantem fechado e conservador as novas propostas da dança de salão. A sensação é que a dança de salão em si é uma realidade instaurada, uma entidade maior, a qual ninguém poderá questionar e problematizar os seus fazeres.

Li a algum tempo um texto que questiona justamente o que seria a realidade, o quanto estamos muitas vezes conectados a uma ideia de que seria algo pré-estabelecido e dado em nossas vidas. O autor Duarte Junior (1994) traz que poderíamos pensar na realidade como aquilo que é dado como inerente ao existir, ou seja, o real é o terreno firme que sustentaria o nosso cotidiano. No primeiro momento já para desconstruir essa proposta de apenas uma realidade é importante destacar a pluralidade dessas realidades, visto que o mundo se revela de um jeito ou de outro conforme a nossa intenção. Outro elemento importante de reflexão é que a realidade não é instaurada e pronta, muito pelo contrário, nós humanos seriamos os edificadores dessa realidade, pois estaríamos construindo o mundo. Contudo como traz João Francisco Duarte Junior (1994) o paradoxo está nesse conflito de não nos sentirmos apropriados desse lugar de construtores, e sim submetidos a uma realidade conduzida por um sistema de forças naturais e sociais. Dessa forma, é relevante pensarmos que a realidade de uma prática de dança especifica se constitui porque seus próprios praticantes arquitetam, ou seja, não é algo que é datado e já estava ali. Sendo assim, fica eminente pensar que a construção do contexto de dança de salão tradicional foi sendo elaborado ao longo do tempo com uma determinada intenção, e como a maioria das elaborações sociais, registradas sob uma perspectiva masculina. Algo que urgentemente necessita de uma reformulação.

Nesse sentido, percebo a riqueza desse espaço de encontro e troca que ocorreu nesse final de semana com essas pessoas que estão vivendo dança de salão no Rio de Janeiro e estão cansadas de não serem escutadas, que almejam produzir conhecimento na dança de salão de outras formas. Professorxs e praticantexs que não toleram mais reproduzir uma prática que exclui, que marginaliza qualquer alteridade presente nesse espaço. Pessoas que estão buscando e construindo espaços democráticos e plurais para dançar a dois, lugares desconstruídos que permitam dar voz as muitas vozes que podem e devem habitar a dança de salão. Uma dança onde corpos femininos, gays, lésbicos, transgêneros, e qualquer outra possibilidade possam se fazer presente. Uma dança horizontalizada sem a dominação do condutor sob o conduzido, uma dança que se estabeleça entre.

Portanto, fico imensamente feliz que o canal tenha sido aberto e agora cabe a nós mantermos ele cada vez mais disponível para que múltiplos corpos possam existir nesse dançar a dois. Seguimos dançando-refletindo-pensando-praticando uma dança de salão que seja contemporânea ao seu tempo.

 

Referência:

DUARTE JUNIOR, João Francisco. O que é Realidade. Editora Brasiliense: São Paulo, 1994.

Por mais dias da dança assim….

O dia 29 de abril é bastante significativo pois é dia internacional da dança. Sempre mencionei que essa data deve ter um caráter festivo, mas especialmente é necessário também atentar para questões políticas na e para dança. Sendo assim, encerrar o 1º Congresso de Dança de Salão Contemporânea, nessa data, para mim é bastante significativo. Acima de tudo esse espaço foi potência, elaboração de uma rede de disseminadores de abordagens contemporâneas na dança de salão. Pessoas que estão dentro das diversas áreas que englobam a dança de salão como o espaço de sala de aula, artístico ou social e que vem ao longo de suas pesquisas problematizando suas abordagens. Buscando realizar suas propostas à margem do que está pré-estabelecido, tendo a preocupação de desconstruir comportamentos machistas, abusivos, cis-heteronormativos. Tendo como demanda a construção de espaços de acolhimento, escuta, sensibilidade e mais horizontalizados.

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O domingo então começou com a oficina da Companhia Dois Rumos (SP), no qual há uma busca de preparar um corpo capaz de se relacionar com outro de uma forma menos impositiva. Nesse sentido esse coletivo propõem a construção desse pré-corpo através de dinâmicas de sensibilização, de consciência da estrutura óssea, da mobilidade das articulações, entre outras coisas, as quais passam por um processo de percepção do próprio corpo. Embora, o que eu considere mais significativo seja o fato de que através dessa proposta podemos experimentar outras formas de tocar o outro corpo, com tônus, mas sem ser impositivo. Isso passa a ser fundamental para o dançar a dois.

Na sequência rolou a oficina da Débora Pazetto e o Samuel Samways que apresentaram a proposta de condução mútua. Sendo assim, nesse caso não haveria alguém responsável por dar a indicação inicial para a improvisação, nenhum dos componentes da dupla possui esse lugar de indicar o estímulo inicial. A busca se dá por uma perda conjunta que gera o movimento, é no entre os corpos que os agenciamentos vão ocorrendo. A proposta dessa oficina foi justamente trabalhar com essa construção de um corpo expandido capaz de estar sempre em relação ao outro e ao espaço. E ainda buscar princípios de movimentos de deslocamentos de perna a partir desse contato com o corpo expandido.

Durante esse dia, houve a palestra do BeHoppers coletivo de pessoas que movimentam a cena Lindy Hop em Belo Horizonte. A Camila Magalhães e Fabrício Martins apresentaram alguns princípios que apontam porque essa dança a dois sempre possui uma fluidez maior no aspecto da condução e na constituição do par. Para ilustrar os mesmos trouxerem exemplos de vídeos antigos onde homens dançam com homens e mulheres com outras mulheres, sem a necessidade de estereotipar os movimentos. Além disso, o grupo organizou uma campanha intitulada 30 atitudes não machistas na dança de salão, a qual reverberou pelo mundo todo.

Para finalizar as atividades, além do baile que a meu ver se tornou espaço de concretização de todos os debates e oficinas que foram realizados durante o evento, houve uma mesa redonda com as professoras do evento. A temática da mesa tinha como foco os novos rumos da dança de salão. Houve discussões à respeito da necessidade de elaboração de um termo guarda-chuva que comporte todas essas abordagens que possuem ideais comuns, mas que em sua prática e processo de construção acabam se diferindo. Foi trazido pelo público a ausência de representatividade de alguma mulher negra nesse espaço de fala, sendo que todos nós concordamos a importância de possibilitar que esse espaço seja compartilhado e realmente plural. Sendo assim, também foi levantado que todos ali presentes são responsáveis por disseminarem a importância do que estamos discutindo nesse evento, levando para os seus grupos e cidades um pouco do que rolou no evento.

Gostaria de finalizar esses relatos rápidos, salientando a importância desse encontro ter acontecido, no formato o qual ele foi idealizado. O evento contemplou além de uma grade de aulas ministrada majoritariamente por mulheres professoras independentes, algo que não é uma prática comum nesse espaço. Houve ainda uma preocupação de dar conta das questões de representatividade do público LGBTQI+  nos espetáculos apresentados, nas propostas queer de ensinar dança de salão. E por último houve ainda os espaços de discussão os quais trouxerem aspectos teóricos para fundamentar esse movimento e as práticas experimentadas.

Só digo que é fundamental o momento em que vivemos para passarmos a questionar que dança estamos fazendo e dançando. Obrigada a todxs que acompanharam as oficinas, obrigada as pessoas lindas que dançaram comigo nos bailes e tronaram a minha experiência em BH enriquecedora. Somos rede de afetos e potências dançantes. Não há queda, não a chão, não há o outro que possa dizer o que podemos fazer. Somos corpos duplos, somo múltiplos, mas acima de tudo somos fortes e não temos medo de criticar e questionar o que aparentemente está dado.

Obs: amores peço desculpas porque as fotos ficaram um pouco prejudicadas desse dia, mas assim que conseguir já adiciono aqui. 😉

Movendo estruturas através do dançar

Acabou de chegar do baile de dança de salão contemporânea, espaço lindo onde podemos experimentar apenas ser e dançar sem medo de se expressar. Espaço criativo onde as danças passam a ser resistências e onde conseguimos visualizar a concretude de uma dança de salão que seja plural e diversa. Uma dança de salão sem hierárquicas, que escapa a todo tempo para uma forma de existir fluída. Acho que acima de tudo esse encontro tem sido de afetos e força, estamos nos conhecendo, criando os vínculos e nos fortalecendo enquanto grupo de pessoas que são responsáveis por uma mudança significativa que está por vir na dança de salão. Somos todos disseminadores de ideias, pensamentos, e especialmente corpos dançantes dispostos a experimentação. Houve um espaço de compartilhamento de referencial entre os participantes no saguão do teatro, isso mostra o quanto há pessoas interessadas em aprofundar suas pesquisas e trabalhos por aí.

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Houve palestra da incrível Débora Pazetto, a qual foi uma aula sobre feminismo, ideologia de gênero, história da dança de salão. Especialmente levantou um pouco bastante relevante no sentido de que essa mudança na dana de salão ela é urgente e necessária, afinal ainda estamos reproduzindo aspectos de séculos passados. Durante a palestra foi interessante perceber como cada vez mais há jovens pesquisadores querendo estudar essa área academicamente. Na oficina da Laura James e da Marina Coura de Dança de Salão Queer, é possível perceber que a mudança pode ser sutil. Ambas trouxerem exemplos de como o trabalho da Ata-me vem sendo abordado nas aulas. Uma pequena mudança no discurso do professorxs, na maneira como nos relacionamos com os corpos dos alunos, nas músicas que escolhemos para utilizar em sala de aula, tudo isso possibilita já um outro espaço de praticar e ensinar essa dança.

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Houve ainda a oficina de compartilhamento do processo de criação dos meninos do Casa 4, onde podemos experimentar no corpo como o espetáculo foi surgindo. O coletivo é composto por Alisson George, Guilherme Fraga, Jonatas Raine e Ruan Wills. Eu estou fascinada por esses meninos, que além de dançarem muito são extremante generosos. Há uma entrega do grupo ao dividir suas inquietudes, suas histórias e suas danças, ao mesmo tempo, eles conseguiram criar um espaço de dar vazão as demandas das pessoas que estavam ali presente. Obrigada pela gentileza, e espero ver muitos trabalhos cênicos desse coletivo.

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Para finalizar vou falar do espetáculo Monstra do coletivo A Margem. A proposta dos artistas é realizar uma autocrítica do universo da dança de salão. Houve sátiras e ironias constantemente, durante o espetáculo. Contudo tudo estava coeso e claro durante a proposta. Confesso que o final é inusitado, dentro dos parâmetros de espetáculos que já vi anteriormente. Todos os clichês estaõ ali, sendo suporte para a potente movimentação e cena que vão se criando.

 

Gente não dou conta mais de escrever é muito amor!!! Evento lindo, mas o sono está pegando. Desculpa se rolar algum erro aí de portuga 😉

Um lindo começo, roda gigante, testemunhos e corpos dançantes

O primeiro dia do Congresso de Dança de Salão Contemporânea, Diversidade e Gênero na Dança de Salão foi extremamente lindo. A meu ver a palavra que marca esse dia foi o testemunho, os relatos desses sujeitxs inquietados que decidiram fazer diferente. Tudo isso compartilhado em espaços de muito diálogo, com participantes incríveis e prontos para acolher todas essas iniciativas.

 

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A primeira aula foi o trabalho que venho acompanhando há mais ou menos um ano da professora Carolina Polezi. A proposta da condução compartilhada vem sido aprimorada no trabalho da Carol, e mostra a possibilidade de se pensar as danças a dois abrindo um campo de comunicação onde nenhuma das pessoas da dupla exerça um lugar de hierarquia sobre o outro. Não há apenas um condutor, ambos podem se expressar durante a dança. No começo da aula foram desenvolvidas atividades de ampliação da percepção, o que permitiu que os participantes pudessem desenvolver qualidades corporais que viabilizam o compartilhamento no momento de condução.

A segunda aula foi a minha de Tango Queer, nessa atividade optei em trabalhar com imagens (Samurai/ Gato) para desenvolver qualidades de movimento. A partir desse espaço pude trabalhar estruturas de movimento características do tango, mas tendo a possibilidade desses lugares serem invertidos. No sentido de que não é necessariamente o samurai que irá conduzir por exemplo, inclusive na aula optei por um momento em que o gato assumia a condução. A questão que permeou a minha aula era justamente tentar dar vazão as estruturas da dança tango, mas através de outros caminhos. Buscando sim em alguns momentos uma comunicação baseada pela inversão, pois eu acredito na potência que há ao podermos inverter e ocuparmos espaços que aparentemente não nos pertencem. Ao mesmo tempo, há uma tentativa constante de buscar, nem que sejam instantes, de transversão. Onde não se saiba ao certo quem está propondo, onde possamos ser gatorais, onde as qualidades fluam no dançar, e a escuta seja a base do encontro e do improviso a dois.

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Após as oficinas houve a palestra da professora Laura James, mulher trans e lésbica, que é proprietária da Ata-me escola de dança de salão. Durante a palestra foi extremamente rico ouvir como a história da vida dela foi refletindo na sua trajetória profissional e no amadurecimento de sua metodologia queer de ensino. A Laura traz para o debate percepções totalmente desconhecidas por mim, ao falar de seu lugar de fala como mulher trans atuante e ativista no movimento da dança. Além da palestra, bastante esclarecedoras sobre os termos referentes a gênero e todas as discussões que tem sido feitas no campo LGBTQ+, a Laura também promoveu o Forró Queer. O Forró Queer é um espaço regular extremante acolhedor e que contempla realmente uma diversidade incrível de pessoas. Foi um final de evento lindo, ao poder dançar com toda gentes maravilhosas. Além de ver o povo dançando de maneira fluída e descontraída, sendo aquilo que querem ser.

Contudo antes do Forró Queer rolou o espetáculo Salão do grupo Casa 4 da Bahia. Um trabalho potente, o qual traz para a cena todas as inquietudes dos homens gays nesse espaço. Através de pequenos testemunhos e coreografias, os quatro bailarinos em cena mostram de forma poética as opressões sofridas dentro desse espaço cis-heteronormativo presente na dança de salão tradicional. Contudo há também a criação de um universo de dança a dois outro, onde é permitido ser e existir para aqueles corpos, um espaço onde a dança de salão não reprime, não exclui, onde você pode exercer a sua sexualidade da maneira que lhe convém, onde o corpo pode ser o que desejar. Um espaço que emociona, pois nada mais lindo que ver corpos dançando juntos sendo atravessados pelos seus afetos e pelos seus desejos.

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Fotinho dos meninos do Casa 4

Gente é isso, muito resumido, eu sei. Eu tenho estado bastante emocionada de ver toda essa galera linda que tem participado, não só os profissionais convidados, mas todos aqueles que estão se experimentando e vivendo esse encontro comigo.

Acredito que estou começando bem as comemorações do dia dança….

Um grande salve para a dança de salão que existe a margem, que está se reconfigurando em um espaço de respeito e igualdade.

 

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As fotos são de registros da oficina de Tango Queer e a de Condução Compartilhada ministarda pela Carolina Polezi.

Construindo Outros Caminhos na Dança de Salão

Hoje venho com grande felicidade divulgar o evento que iniciará amanhã em Belo Horizonte o Primeiro Congresso de Dança de Salão Contemporânea, Gênero e Diversidade na Dança de Salão. O evento pretende reunir diversos professorxs, artistas e ativistas que tem repensando suas práticas nessa dança, e estão em constante processo de pesquisa sobre outras abordagens para ensinar-criar-praticar dança de salão.

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Todas as prospostas, dentro de suas singularidades, estão continuamente desconstruindo os padrões heteronormativos que estão presentes na dança de salão tradicional. Tendo como foco a criação de abordagens contemporâneas que comportem uma dança mais plural e diversificada. Uma prática agregadora que não imponha hierarquias.

O evento foi idealizado por Laura James e Samuel Samways, tem apoio do CEFART. A programação prevê oficinas, palestras e apresentação de espetáculos. Além dos dois bailes de dança de salão contemporânea e o Forró Queer.

O evento ainda conta com a participação das professoras Carolina Polezi (SP), Marina Coura (MG) e Débora Pazeto (MG). Além dos grupos Casa 4 (BA), Dois Rumos (SP), e BeHoppers (MG).

Eu estarei presente ministrando uma oficina de Tango Queer no dia 27.04.18 às 15h 30min às 17h no CEFART. A proposta é trazer um vivência da prática do tango a partir de uma abordagem queer, a qual venho pesquisando desde 2015.  Contudo a temática da condução sempre foi uma questão, e sua problematização foi tema do meu trabalho de conclusão em dança em 2012. Atualmente, essa temática tem sido investigada por mim no doutorado em Artes Cênicas na UNIRIO sob orientação do Prof. Dr. Charles Feitosa. Pretendo então instaurar nesse post a minha tentativa de trazer relatos das experiências que irei vivenciar nos próximos dias, um testemunho compartilhado de carne e pensamentos.  Espero poder registrar esse momento, afinal ele é de extrema importância para a dança de salão e para mim enquanto artista/professora.

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Feliz com a possibilidade de estar encontrando pares para dialogar, e juntos estarmos rescrevendo outras historiografias para a dança de salão.  Na foto acima eu e a Natália Dorneles estavamos dançando na oficina que ministrei na Semana de Diversidade de Genêro da FABICO na UFRGS em Porto Alegre. O click foi da Yamini Benites. Gosto muito dessa imagem pois representa como tenho encarado o dançar a dois na minha vida, com afeto, resistência, pluralidade, reflexão e muita dança boa!

Partiu….

Um evento onde o coração pulsa

A Batalha de Dublagem, é um evento realizado em parceria da Lolita Rouge (personagem criado por mim) com o bar Von Teese-High Tea & Cocktail Bar em Porto Alegre. O objetivo principal é criar um ambiente descontraído, onde o público possa se divertir dublando suas canções favoritas. A cada edição a Lolita Rouge, prepara alguma dublagem especial para animar a noite.

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Eu, Lolita, me sinto energizada a cada edição desse evento, pois sempre há grandes surpresas. A energia que se cria é tão intensa, que todos do bar ficam conectados. Aos poucos as mesas passam a ser integradas, e o bar inteiro começa a curtir, torcer, participar e superar a timidez. Claro, que uns bons drinks ajudam a liberar as performances que estão guardadas dentro de cada um. É lindo ver quando as pessoas conseguem se superar, e passam a se divertir pelo fato de estarem ali interpretando suas músicas favoritas. Vale apresentação individual, em dupla, trio, ou grupo só não pode ficar parado.

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A Batalha de Dublagem passou a ser um grande encontro, onde qualquer pessoa é bem-vinda. Todos brincam nesse lugar, onde não há certo ou errado, há apenas um lugar de afeto.  Você pode ser um participante experiente ou ter ido por acaso, aqui todos têm vez e podem se divertir!

Ficou curioso?

Deixo um registro da nossa última edição 🙂

 

 

Estou ansiosa para a nossa sexta edição!

Contando os dias para me divertir ao lado de vocês

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Batalha de Dublagem – apresentação Lolita Rouge

Quando: 28/07/17 às 20h

Onde: Von Teese -High Tea Coktail Bar,  Rua Bento Figueredo 32

 

Um roda emergente e relevante!

Enquanto estávamos discutindo no evento – protagonismo da mulher na dança de salão-pensei, porque não havíamos feito isso antes.

Estávamos todas necessitando de um espaço de compartilhamento e reflexão, onde pudéssemos trazer nossas angústias, as experiências que passamos nessa prática, as nossas questões, estávamos emergencialmente necessitadas de um espaço sensível de diálogo.  Sábado dia 19/11 às 10h da manhã cheguei na sala 400 da Usina do Gasômetro e me deparei com muitas professoras, dançarinas e praticantes ansiosas para falar sobre as suas vivências e realidades. Haviam alguns homens presentes, que souberam compreender a importância desse espaço para nós mulheres, se colocando como bons ouvintes e se disponibilizando a trocar e aprender com as nossas falas.

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As convidadas – Luciana Coronel e Caroline Wüppel– se dispuseram a compartilhar suas reflexões nesse espaço, fomentando um belo debate que foi calorosamente acolhido pelos presentes. (Queria agradecer mais uma vez as meninas que toparam esse desafio e se disponibilizaram intensamente para que esse encontro fosse um sucesso).Foram tantas demandas levantadas que não conseguimos dar conta, e com certeza uma continuidade é necessária. Afinal, a dança de salão é um reflexo da sociedade e em termos de opressão e violência temos muito ainda a refletir o quanto o sistema machista e patriarcal tem regido as nossas práticas. Precisamos ainda de um espaço profundo de estudo e compreensão dessa estrutura.

Alguns pontos foram levantados e foram reforçado em diferentes falas, especialmente dentro de dois eixos centrais que envolvem esse fazer: as questões no eixo social de prática da dança de salão como bailes e festas e alguns pontos referentes ao ensino da dança de salão. Nesse sentido, faço um esforço de registro desse material, para que possamos avançar nessas temáticas nos próximos encontros.

No primeiro eixo referente à prática social da dança de salão foram apontados alguns pontos como:

  • Nunca separe duas mulheres que estão dançando juntas, não se dê esse direito pelo fato de ser homem. Você provavelmente não faria isso se fosse um homem e uma mulher dançando. Isso é uma violência e não deve acontecer.
  • Tod@s têm o direito de não dançar, independente do motivo, isso deve ser respeitado e compreendido.
  • Mulheres e homens podem e devem convidar outros para dançar.
  • Respeite ao corpo do outro, nunca seja intolerante e grosseiro, porque alguma mulher não consegue/deseja fazer o movimento que você propôs. O limite do corpo é individual e deve ser respeitado.

No segundo eixo referente ao ensino da dança de salão foram debatidas as seguintes colocações:

  • Você pode usar a metodologia que desejar, entretanto o importante é refletir que o sistema tradicional de dança de salão e o poder do discurso reforçam sim um estereótipo de homem e de mulher.
  • Muitas das piadas “padrões” utilizadas são extremamente ofensivas e opressoras, porque reforçam esse papel.
  • Devemos enquanto professores e formadores estar sensível em nossas aulas e refletindo sobre o nosso fazer.

Por fim, trago a minha colocação que fiz na roda para esse relato: provoco você, professor de dança de salão, para pensar o quão privilegiado é pelo simples fato de ser homem. No mundo do trabalho ser homem é ganhar mais, não precisar escolher com que roupa sair na rua com medo de assédios, na dança de salão é poder ter liberdade de dançar com quem quiser, é ter o nome reconhecido e lembrado e o da suas parceira não, é ter espaço em sala de aula e não se preocupar se haverá um momento para que você possa falar. Enfim entre muitos outros exemplos que eu poderia citar.

Convido-o a refletir sobre esses pontos e pensar quantas vezes sua colocação foi opressora e sua piada toliu a sua parceria. Enfim, se você não reconhecer que suas vivências partem de um sistema patriarcal e machista, você continuará velando e mascarando as suas impressões cotidianas. No mais penso que precisamos ter cuidado em apenas se apegar ao discurso de liberdade e diversidade, porque além de palavras, são necessárias ações para que se possa hackear um sistema. Afinal, somos tão aprisionados a esse sistema que a liberdade do desejo não é permitida, talvez jamais possa passar pela cabeça do meu aluno que ele poderia ser conduzido, que uma mulher pudesse conduzir, e que ambos não seriam desqualificados por isso. Porém, desejar é proibido, não se deseja aquilo que não é visível, sem possibilidades sou fadada a desejar o que me é oferecido. Será mesmo que tenho dado espaço para os meus alunos se colocarem como desejam em sala de aula?

Reflexões e conversas que ainda precisam de tempo para maturarem, porém finalizo esse relato feliz pelo espaço e agradeço mais uma vez à todos que estiveram nessa roda. Tendo em mim uma pulsante certeza da importância de continuarmos esse debate, tendo como viés o movimento  – ou seja FAZER- sair do plano das ideias e fazer! As transformações se dão na vida material e não no plano das ideias, seja no seu espaço individual ou na atuação coletiva.

Uma foto descontraída da nossa linda manhã!

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