Uma carta para Amor

Amor,

Hoje o texto é sobre você. Sim, sobre apesar de tudo que têm acontecido em 2019, eu sigo acreditando na sua força como pulsão de vida. Eu sei que esse ano me fez duvidar um tanto da nossa relação. Foram muitas tensões, cortes, inquietações, urgências gerais, e necessidade de investigação profunda. Eu quase desisti de você é verdade. Pensei que poderia te deixar de lado, me tornar alguém diferente. Só que quando parecia que não havia mais faísca eis que você surgiu colorido e me guiou novamente para a vida. Assim, estou eu te escrevendo de novo, e de novo e de novo. Dizem que sou corajosa por querer-te assim tão pulsante. Acho que preciso concordar, porque não é fácil se deparar com você nas ruas. Tu chegas, nos desorienta, faz com que a gente se perca de si ao abrir-se para um território desterritório onde somos invadidos um pelo outro. É assim mesmo uma grande loucura não sei se rio, choro, escrevo poema, danço ou canto. Somos tocados reciprocamente, você me transforma. É um grande abrir-se.

Eita amor, quando você chega não tem jeito, a gente ama. Eai a gente não deixa de desamar não, as coisas não são assim né, mesmo que nem sempre os caminhos não sigam fluindo juntos, tu não rastapé do meu lado. As pessoas vão, eu vou, mas tu segues ali emanando. Choro por amar muito. Eu aprendi muito sobre desapegar esse ano. Precisei colocar limites e fins, precisei reconhecer que era hora de expandir por mim, precisei entender que era necessário abrir os braços, mesmo que de olhos fechados e marejados de lágrimas, deixar vocês irem. Todos esses seres que você colocou em meu caminho, salve as forças dançantes que me presenteiam com pessoas encantadoras, são amados por mim. Todos eles me fazem crer que você é tinhoso amor, porque aprendi muito com tod@s. Tem vezes que dá raiva porque a gente que ser durona, e quer que tudo sai como a gente quer, e o raio desses seres tem um milhão de desejos uns mais doidos que os outros e nem sempre rola da gente conseguir estar perto. Isso machuca, a gente se machuca.

Só que aí tu cutuca no meu estômago-coração e diz deixa de se boba garota isso também é amor. Eai essa brabeza passa, a gente conversa, segue vivendo e amando, mesmo de longe, mesmo distante, mesmo sem ver e falar. Por vezes, até rola uma dança, uma tarde no sol sem fazer nada no meio da cidade de concreto, uma cerveja com risada, uns áudios malucos de whatsapp, umas ajudas… É isso, tu pulsando forte mesmo na não presença, na diferença.

Só que vou te confessar amor, eu também vi que você está gigante em mim. Sabe que duvidada da sua existência aqui. Fui dura com você eu sei, te peço desculpas. Nem sempre te deixava chegar né. Meio resistente, eu fui. Só que tu teve paciência e quando vi estava eu boba e apaixonada por mim de novo. Dando risadinhas no meio do dia e ouvindo canções de amor dedicadas a mim, até fazer manha na cama de preguiça rolou. Adoro nossos encontros secretos e silenciosos, onde fazemos coisas que só a gente sabe como fazer. Rir a gente até tem feito né, parece que aceitar que tem todo esse amor nessa pessoinha tem sido uma tarefa no mínimo engraçada.

Enfim amor, não sei, dizem que sou romântica. Acho que não é sobre isso, acho que sou apaixonada por você. Tá certo, eu confesso que viajo às vezes, mas sei bem que o amor acontece nas coisas singelas, no exercício de querer bem, nas ajudas, nos cafunés, nos olhares, no desafio de amar o outro mesmo na diferença. Também acredito que pode ser sim possível querer exercitar isso pertinho, com paciência, entrega e abertura. Pode ser terroso, é como te sinto mais gostoso.

Então, termino essa carta amor com um cheiro no seu cangote bem agarradinha. Dizendo obrigada por não me fazer desistir de você. Por lembrar que é vital sua força em minha vida. Obrigada pelos presentes desse ano, amores novos que surgiram. Obrigada pelos rencantamentos dos amores que aqui estavam. Obrigada pelos amores que passaram por aqui. Obrigada por você estar em mim, mesmo no desafio dessa vida doida que levamos. Obrigada por me surpreender sempre, por fazer com que quando eu menos espere tu lance sua energia colorida em minha direção me atravessando de novo e de novo.

Te Amo,

Um beijo-cheirado da Paola

Vou colocar uma foto para ilustrar um dos meus muitos amores nesse ano, nessa vida. Acho que essa ruiva merece minha dedicação de amor. Debora Thomas, eita vicking, a gente se apaixonou de novo pela gente esse ano. Voltamos a nos amar com brilho nos olhos, porque é isso amar é  exercício diário e precisa de cuidados. Tu segura todas do meu lado, quando achei que fosse despencar teus olhinhos estavam lá para me apoiar, teus braços para me acolher e para juntas chorarmos e muito por nossos amores… Houve lágrimas, poemas, raiva, cachaça, auto-cuidado, e até “vai dormir amiga” quando eu estava capotada no teu braço. Enfim, segura essas duas porque elas querem decididamente amar, vem 2020.

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PS: a gente não se pega, só se seduz.

PS1: Kátia Maffi, te amo muito! Outra ser humana que me fez exercitar o desapego, conjuntamente com aquele tirano-urso-deuso do Luciano. Olha vou te dizer vocês tudo confabularam com a Rachel Vasconcelos e resolveram mudar para o outro lado do mar. Sem comentários. Ainda bem que tenho um novo amor, Eric, ex-vizinho, sanfoneiro, que me presenteia com uns livros babado sobre impermanência para dar conta desse fuzuê todo. Há tem também o Junior para me levar para a praia e fazer comidinha de mãe para mim, a Ludi para me levar no cinema, a Deisi piranha para me mandar música inspiradora, o Rô por me fazer marombar (só falto, mas sinto a energia), ao Luiz por saber captar em suas fotos o que há de mais intenso em mim, a bruxa da Kathleen para me passar uns rituais, a Bri para me amar a distância, a Pri por aparecer sempre quando mais precisei, a Claudinha pelos brownies, o Victor por me passar referências babados, a Diana para me mostrar que tu pode dar certo mesmo dando errado, a Lary animada e parceira de uma coxinha suspeita na madrugada, a Rô por me fazer sambar, a Samara por me fazer rir em meio a reuniões de orientação, a Flávia por ser tão generosa quando mais precisei, a Faísca minha cachorra que quase adotei, a convenção das bruxa (Ilana, Débora, Kamila e Wendy), as amigas de poa (Luli, Tatá, Ju e Jé pelos nosso grupo de amor no whats), a minha família linda que muito me ensina sobre amor (Ana, Voney, Gabriel e Rachel que honra compartilhar a vida com vocês), a minha psicóloga por me auxiliar a modular todo esse amor… Aos amores que esqueci de mencionar obrigada por existirem e por se fazerem presentes!

Parceiro, esse texto é para você!

Hoje vou escrever especificamente para os homens que tem trabalhado nas abordagens contemporâneas de dança de salão. Vocês constituem uma parte importante da nossa articulação enquanto movimento, porque ainda vivemos em uma sociedade patriarcal e, muitas vezes, suas vozes acabam sendo legitimadas antes das nossas (infelizmente). Suas práticas-falas podem acessar espaços, os quais nós mulheres não acessamos, porque temos experiências diferentes. Então é por isso que eu te peço companheiro, leia com atenção e corpo aberto, porque te quero perto. Então venho convocar sua ajuda, porque o machismo não está só na condução e nos modos como dançamos. Estamos diariamente passando por situações onde facilmente somos captados a reproduzir padrões, por vezes sutis, de ficar reiterando privilégios e oprimindo os corpos daqueles que já são oprimidos.

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Essa cara sorridente é para te convidar a ler até o final, tá! (Foto Luiz Felipe Ferreira)

Então professor/dançarino/parceiro mudar a sua dança é um dos processos de investigação de reconfigurar sua experiência subjetiva enquanto homem.  Contudo, isso não é o bastante. Vou falar o que virá na sequência porque de fato não quero excluir vocês desses processos, mas fica muito evidente o quanto as parcerias entre homens e mulheres na dança de salão ainda precisam ser investigadas. Aqui eu vou trazer bastante o contexto profissional, porque tô IRRITADA de ficar sozinha argumentando coisas básicas contra um sistema todo. Fatos esses que não se fazem presentes nas parcerias entre mulheres, nossas questões são outras, por isso o meu direcionamento a vocês. Talvez se eu conseguir a ajuda de vocês as coisas possam se ampliar, e as nossas práticas em dança possam ser potencializada. Assim como tenho certeza que suas parceiras se sentiram muito mais legitimadas, respeitadas e acolhidas.

Então, gato, por mais que sua intenção seja a melhor possível estamos nesse jogo há anos em posições desiguais. Isso pode ter diversas nuances e variações ao longo da vida e da experiência de cada um, fatores como raça, classe também serão determinadas, porém não há como negar os privilégios que a condição homem instaura. Sem discussão nesse ponto. O machismo é tóxico para a experiência de ser homem, sim. Contudo, não há como negar que você tem acessos diferentes socialmente do que nós MULHERES. Então eu queria trazer pequenas ações anti-machismo que podem auxiliar nesse processo de investigação:

Reconheça seus privilégios. Aceite que você vive e foi criado dentro de uma estrutura machista. Então você pode não estar ileso de cometer uma ação machista. Lembrando que silenciar-se diante de uma a ação machista de uma pessoa ou instituição é reiterar o machismo.

Escute sempre um retorno crítico da sua parceira de dança. Não se defenda de imediato, pense e acolha aquelas palavras antes de tomar qualquer atitude defensiva. Muito provável ela te trará uma experiência que você não percebe, porque quando temos privilégios dificilmente percebemos que os temos.

– Apoie sua parceira quando ela aponta alguma atitude machista seja em aula ou contra alguma instituição. Não se coloque como desimplicado. Assegure que você está ao lado dela.

– Pergunte sobre como tem sido suas ações e falas para com suas parceiras, principalmente, crie um campo aberto para o diálogo. Há ainda uma cultura muito enraizada de silenciamento nas nossas experiências enquanto mulheres, então, muitas vezes podemos não estar conseguindo comunicar os nossos incômodos.

Confira as divulgações realizadas quando vocês forem ministrar aulas, veja se consta o nome de sua parceira. Reclame quando não estiver o nome dela, ou ainda quando colocarem o seu nome antes sem seguir a lógica alfabética. Se ela for tratada pela instituição sem o mesmo rigor que você, não permita.

– Não permita a cultura de se referirem a sua parceira como “Parceira de Fulano”. Enfatize que ela tem um nome próprio.

– Abra espaço e valorize que as mulheres tenham o mesmo tempo de fala em aula.

– Não faça nenhum tipo de “piada” constrangedora em aula, principalmente com algum grupo que já oprimido e não permita esse tipo de situação na sua presença.

– Valorize os saberes das professoras mulheres nessa área, não assuma os elogios sozinho desse trabalho. Saiba que esse movimento é pautado por muitas mulheres, e alguns homens também, então não se esqueça de trazer essas referências para aula. Perceba se você ao citar suas referências se elas não estão pautadas somente nos homens.

– Leia os textos já publicados por professoras mulheres, e ao citar pensamentos e inspirações em aula ou postagens referencie os nomes dessas pessoas.

Encerro esse relato dizendo que isso é um pouquinho do que podemos repensar juntos. Devem ter outras sugestões maravilhosas vou pedir para as Manas da dança de salão olharem o texto e irem acrescentando. Porque nesse texto rápido não consigo abarcar todas as possibilidades de experiências presentes

Porém, queria chamar para pensar vocês colegas homens que vem comigo trabalhando e pensando sobre as abordagens contemporâneas na dança de salão para se comprometerem nessa investigação. Vou usar uma citação incrível da filósofa Djamila Ribeiro, que muito tem me convocado a repensar a minha branquitude (porque sim querides todos nós precisamos investigar constantemente a nossas experiências de estarmos vivos, inclusive eu). No caso ela está falando de racismo mas também podem pensar em relação ao machismo.

“Não se trata de se sentir culpado por ser branco: a questão é se responsabilizar. Diferente da culpa, que leva à inércia, a responsabilidade leva à ação.” (2019, p. 36)*

Então não se trata de se sentir culpado por nada e sim de agir, assumir os erros quando ocorrerem e se responsabilizar por desnaturalizar olhar condicionado pelo machismo e pelo racismo e criar espaços e lugares para que mulheres e negros consigam acessar. Bora rapazes se responsabilizarem e se implicarem com esse chamado!

 

Obs: Já termino falando que enquanto movimento de Dança de Salão Contemporânea precisamos urgentemente trazer o debate da raça e da classe para as nossas discussões, inclusive das minhas 😉

Obrigada Carolina Polezi, pela leitura amiga e incentivadora desse texto!

*Referência: O Pequeno Manual Antiracista, Djamila Ribeiro, São Paulo, Companhia das Letras, 2019

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